quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Grades

Sei que esse é meu lugar, sei do crime que cometi, e até mesmo o quanto vou pagar por ele. Às vezes tento lembrar-me como era ali fora, mesmo sabendo que é, e vai continuar sendo, do jeito que sempre foi, mesmo que nunca tenha sido de verdade. Este fora paradoxal sempre esteve dentro de mim, sempre foi uma parte de mim, que não vivia realmente, mas era mais viva do que jamais fui, e quis lutar para que a minha vida, dentro dela, fosse como era fora, dentro de mim.

Mas agora não importa mais, não valeu a pena, no fim das contas, eu busquei a verdade, busquei formas de mudar a verdade. Mas a única maneira de burlar a verdade é com a mentira, e nunca considerei uma opção, não para mim mesmo, se minha liberdade dependesse de ilusão seria melhor morrer no escuro, que, aliás, é o próximo passo.


Platão devia ter me avisado que sair da caverna é sair da panela pra pisar no fogo. Saio da caverna e agora descubro que sou preso, e que não há um caminho de volta, sobra um prêmio de consolação um desprezo contido pela mediocridade de quem é incapaz de ver suas amarras, e uma pena de quem acredita realmente que é capaz de escapar das correntes.

Depois que os planos dão errado nada parece importar, fica essa lucidez inútil, ser capaz de ver a própria corrente, ver até onde ela machuca, até onde consigo ir, uma temeridade estranha, não uma coragem, apenas temeridade, brincar com o risco, correr riscos a troco de nada, só para desdenhar da vida, assim como ela parece desdenhar de você.

Sozinho balanço a corrente e bato com ela no chão, até cansar, porque mesmo não querendo aceitar, eu gosto de chamar atenção, fico querendo que alguém venha e faça por mim o que eu sou incapaz de fazer, que alguém me salve do fracasso cômodo que me restou. Mas não adianta, abandonei a esperança ao entrar aqui, tudo que ainda me resta é uma sobra da minha arrogância, de quem achava-se capaz de ser livre, e um desprezo por tudo que me cerca, que se estende a mim mesmo quando só restam eu e minhas circunstâncias. E um eco, lá no fundo, que me diz para tentar de novo, deve ser o que restou daquele que acreditava em si mesmo, mas ele está tão errado quanto eu estava, e tão enterrado quanto eu estou.



* - "Continuação" de Breves Esperanças.
* - Breves citações a Humberto Gessinger e Dante Alighieri, melhor referenciar.