quinta-feira, 22 de julho de 2010

4. O início, ou quase - Sobre magia e janela.

Não comece por aqui, sim? Comece pela Primeira parte






Um dos assuntos mais comentados em velórios é a aparência do morto, a falta de conhecimento que as pessoas tem acerca da morte é a causa desses comentários frívolos. Da mesma forma, muitos mágicos, feiticeiros, bruxos, magos e afins costumam ligar janelas à magia, também pela falta de conhecimento acerca da natureza das janelas.
Magia é magia. Janela é janela. A magia é uma arte complexa, que serve a diversos fins, não cabe a essa breve introdução dissertar a respeito. Janelas são mais simples, seu funcionamento é baseado em ver algo do outro lado de uma parede, e sua natureza é totalmente não mágica.
O mago não sabia disso, O mago entendia muito de morte, ainda mais de magia, porém de janelas ele nada sabia. E para isso ele precisava de João.



O gato vesgo também não entendia muito de janelas, tampouco de magia ou morte, mas sua empatia era admirável. Se tinha uma coisa que o gato vesgo sabia, era compreender outros seres, e ele percebia a frustração do mago. Porque outra coisa que O mago não sabia, mas estava aprendendo, era a desistir. Desistir do jeito que se desiste de deixar a barba crescer, quando ela simplesmente não vai crescer do jeito que você quer. Viajar pelo tempo e pelo espaço não tinha mais como dar certo, não era pra ele, e ele resolveu desistir. Abriria uma maldita janela, e pela janela gritaria para o tempo-espaço dizendo que desistira, estava entregando os pontos, e imploraria para voltar à vidinha que tinha antes. O mago realmente não entendia nada de janelas.


João morria de medo da morte, e isso era tudo que ele sabia a respeito. Ele também não acreditava em magia, mas pelo sim pelo não, ele sempre achou melhor não se meter com gente muito misteriosa. Ele entendia mesmo era de janela, que era uma coisa mais simples, sem grandes mistérios, e é isso que ele ia fazer ali no bar, abrir uma janela. O mago lhe pedira que fizesse, e ele estava mesmo com vontade de fazer uma janela, assim ele ao menos veria se já era noite, e há quanto tempo estava nesse bar.
E foi o que ele fez, uma janela.


O mago esperava que a janela não mostrasse nada, apenas escuridão, pois o bar não estava em lugar algum em que houvesse algo pra se ver, ele vagava perdido pelas fendas do tempo e do espaço. O que ele não sabia é que a janela não tinha absolutamente nada a ver com isso. A natureza da janela era mostrar o que havia do outro lado da parede, e se não havia nada para se ver, alguma coisa tinha de ser criada para que houvesse algo para ver.


E algo se criou. Não que houvesse muita coisa, tudo que se via através da janela era um deserto. Um deserto vazio. Como se tudo que houvesse de neutro e irrelevante no universo tivesse se juntado para formar aquele lugar. O céu não era azul, mas também não era nublado, não tinha sol, mas também não parecia que iria chover, era apenas um céu, ou alguma coisa que estava acima. A terra não era árida, mas também não era irrigada, verdejante, era terra, dura, como se na hora de construir aquele lugar tivessem comprado o piso mais barato e colocado ali. Também não havia horizonte, a terra e o céu, ou aquilo que está no lugar da terra, e aquilo que está acima, onde deveria estar o céu, não se encontravam, apenas aparentavam algum tipo de gradiente no infinito, onde esperava-se ver a linha do horizonte.


O mago constatou que aquela ainda era parte da vingança do Tempo-espaço.
O tempo-espaço realmente não teria misericórdia do mago, caso ele chegasse a lhe pedir alguma coisa, seu trabalho era tomar conta da estabilidade dos universos. E não poderia arriscar liberando o mago novamente.
Mas ele não teve nada a ver com essa história, a culpa foi do mago, que não entendia nada de janelas, e desprezou sua natureza elementar.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

3. Ainda antes do ínicio - A chegada do construtor.



João trabalha na construção civil. E se tem uma coisa que João não dispensa, é tomar uma cerveja na sexta-feira. Mas como os botequins habituais fecharam, João voltava para casa cheio de rancor, achando que o mundo conspirava contra ele. No caminho, se deparou com um novo bar. O bar tinha uma cara estranha, provavelmente estaria cheio de gente metida e a cerveja seria cara, mas ele entrou assim mesmo. A essa altura ele pagaria qualquer coisa, e aturaria qualquer tipo de pessoa, por uma cerveja. Se ele soubesse o que o esperava dentro do lugar talvez deixasse essa cerveja pra lá.
Entrou, sentou-se a uma mesa qualquer, e ficou pensando numa janela que gostaria de fazer na sua casa, enquanto aguardava o atendimento. Olhando ao redor se deu conta que em uma mesa do canto uma menina parecia jogar damas com um gato branco, e que o barman (um sujeito bem estranho) não parecia fazer a menor questão de atendê-lo. Isso deixaria João realmente irritado, mas o lugar era tão entediante que tirava até a vontade de ficar enfurecido. Voltou então a pensar em sua janela, que era o melhor que ele podia fazer, quem sabe daqui a pouco ele fosse atendido.
Mas não foi, então João percebeu que estava sentado no bar há um bom tempo, o barman continuava no mesmo lugar, possivelmente na mesma posição, a menina já havia se retirado, e ele não conseguia ver o gato. Quando João fazia força para novamente tentar refletir sobre o que estava fazendo, e por que não ia embora dali, o gato branco pulou sobre sua mesa, João encarou por alguns momentos seus olhos estrábicos, e travaram então o primeiro diálogo dessa história com mais de uma fala.

- Olá, boa tarde, como vai? - Falou o gato meio miando meio falando, mas se fazendo entender com muita elegância
- Bem, e você?
- Estou ok - Se limitou a responder, o gato.
- Como assim ok?
- Simplesmente ok, não há nada de errado comigo.
- Que bom, entao, eu acho.
- Acho que sim. Se não for bom, ao menos não é ruim.

A conversa estava um tanto confusa, mas João levou em frente.

- O que é bom. Não ser ruim é bom, nao é?
- Não necessariamente, talvez seja simplesmente normal.Embora, às vezes, o ruim pareça ser o normal.
- De qualquer forma é melhor estar normal do que estar ruim, não?
- Penso que sim. Desde que para mim o ruim não seja o normal, senão seria ruim de qualquer maneira.

Enquanto seu cérebro se dividia entre refletir se já era hora de apenas sorrir concordando e tentar acreditar que estava realmente falando com o gato - sem muito esforço em nenhuma das direções - o gato desceu da mesa e sumiu, não demonstrando muito interesse em saber quem era o sujeito à mesa.




Funcionou. Ainda não estava nas mãos d'O mago controlar o bar para viajar para lugares específicos, mas ele conseguiu deixa-lo no caminho da pessoa de que precisava. Embora ele não tivesse certeza de como fez isso, agora não importava. O homem é um construtor, sem dúvidas, e ele irá construir a janela para O mago. Só precisa ser convencido disso.
Mas por enquanto, ele continua esperando a sua bebida.