sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

5. O início - A morte.

Faça um favor a si mesmo e comece pela primeira parte





E então, após um tempo à deriva no tempo-espaço, o bar aportou em um mundo em gestação. Um mundo tão perdido em seus passos quanto a janela que lhe deu origem, para que tivesse algo para mostrar. Ironia que o mundo recém criado tenha ainda tão pouco a exibir. Mas irônica mesmo é a pessoa escolhida pelo acaso para ser a primeira a explorar o local. E ironia é um dos assuntos de que trata essa história.

Hipocrisia nada entende de ironia, na verdade ela não entende de muitas coisas. Não entende nada de magia, morte ou janelas, e tampouco entende da gestação de um universo. Na verdade, poucas são as coisas das quais ela entende. Ela não entende nem mesmo porque pensa, faz, e diz a maior parte das coisas. Embora em sua cabeça tudo pareça lógico e correto. É uma ironia que Hipocrisia seja tão inocente.
Todos os comportamentos que finge para si mesma, são máscaras que ela criou para se esconder. E seguiu toda a sua existência acreditanto apenas no que queria. Mas o acaso nada tem com isso, e suas escolhas tem tanto fundamento quanto as dela. Ele não faz questão que tenham.

Enquanto Hipocrisia permanecia sentada a uma mesa do bar, próxima ao gato vesgo, observando O mago sair pela janela, o mundo bebê dava seus primeiros passos. O mago, ao sair pela janela, se afastou por uns instantes, olhou para trás e percebeu que havia não só uma janela ali, mas também as paredes do bar, e que tudo isso estava muito mais longe do que deveria, e concluiu que, por hora, o melhor seria voltar pela janela. O mago não sabia o que estava acontecendo, ele entendia tanto de mundos recém criados quanto entendia de janelas, mas conseguiu voltar à janela do bar.

Apesar de perigoso, o jovem mundo era o menos culpado de todos nessa história. Ele não pediu para nascer, mas era necessário que houvesse algo a ser mostrado através da janela. E agora esse mundo bebê tentava se firmar em seu próprio tempo e espaço, assim como uma criança recém nascida tenta balbuciar algumas sílabas, e emitir alguns grunhidos, para se fazer entender, e fazia isso com tanto sucesso quanto. É por isso que ao sair do bar, e dar uns poucos passos, O mago se viu tanto longe de onde viera, o mundo ainda não conseguira ordenar suas dimensões, e ainda levaria algum tempo para isso, quem saísse pela janela durante esse período estava sujeito a se perder.

João, o construtor, não sabia dessas coisas, mas ainda assim preferia não arriscar sair dali, embora até algumas horas atrás essa fosse a sua vontade. O mago entendera que não havia mais nada que pudesse fazer, então continuaria no bar, como sempre fez desde que foi condenado. O gato vesgo presume que se O mago não arrisca permanecer lá fora por muito tempo, tampouco ele deveria sair, pois mesmo que seja mais responsável que o próprio mago, ele infelizmente tem bem menos poder. Por outro lado, Hipocrisia sempre se recusou a perceber o que acontecia ao seu redor, preferindo acreditar no que queria. Achou então que ela poderia dar uma volta, se quisesse, por esse novo mundo, após passar tanto tempo no bar. E então ela foi.

O medo que João tinha de sair do bar era o suficiente para impedi-lo de faze-la voltar, enquanto O mago não só preferia ficar no bar para não encarar esse novo mundo, como também estava contente em se livrar da pequena Hipocrisia. Apenas o gato vesgo ponderava se valia o risco ir
atrás da pobre moça. Mas enquanto ele apenas começava a pensar no assunto, Hipocrisia dava
seus primeiros passos.

Um;
Dois;
Três...
E antes de alcançar o quarto já estava longe demais para ser vista. Longe demais para ver o bar. Longe demais para voltar.

E então ela se apavorou.

Ela não conseguia contornar esse medo, como sempre fez. Ela pôde, por toda a sua existência, esconder seus medos de si mesma, tentar fingir, para os outros e para si, que eles não existiam. Mas não havia ninguém para quem ela precisasse fingir agora, não encontrava em seus pensamentos alguma verdade que pudesse sobrepor a de estar perdida, de não saber que direção tomar para voltar. De passar o resto de sua vida ali. Só não sabia ela o quão breve seria isso.

E seguiu caminhando sem rumo. Ao fim de vinte e quatro horas a fome e a sede já a incomodavam, depois do que seriam dois dias já pareciam insuportáveis. Ao quarto dia a menina desmaiou e ali permaneceu até ser consumida pelo novo mundo. E foi assim que a morte chegou a um mundo que acabara de nascer.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Meios sem fins.

Tenho em minha mão, escrito obsessão;
Tateando em vão, por morros sem cumes.
Guardo em minha mente, desejo latente;
Pelo que é aparente, como meios sem fins.

Talvez a profundidade do silencio,
Seja aquilo que eu preciso saber,
Para descer então por ele
Olhar em seus olhos e aí então, ver.

Então quem sabe fatal, ilusão sem moral.
Ser de fato imortal, um deus ateu.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

4. O início, ou quase - Sobre magia e janela.

Não comece por aqui, sim? Comece pela Primeira parte






Um dos assuntos mais comentados em velórios é a aparência do morto, a falta de conhecimento que as pessoas tem acerca da morte é a causa desses comentários frívolos. Da mesma forma, muitos mágicos, feiticeiros, bruxos, magos e afins costumam ligar janelas à magia, também pela falta de conhecimento acerca da natureza das janelas.
Magia é magia. Janela é janela. A magia é uma arte complexa, que serve a diversos fins, não cabe a essa breve introdução dissertar a respeito. Janelas são mais simples, seu funcionamento é baseado em ver algo do outro lado de uma parede, e sua natureza é totalmente não mágica.
O mago não sabia disso, O mago entendia muito de morte, ainda mais de magia, porém de janelas ele nada sabia. E para isso ele precisava de João.



O gato vesgo também não entendia muito de janelas, tampouco de magia ou morte, mas sua empatia era admirável. Se tinha uma coisa que o gato vesgo sabia, era compreender outros seres, e ele percebia a frustração do mago. Porque outra coisa que O mago não sabia, mas estava aprendendo, era a desistir. Desistir do jeito que se desiste de deixar a barba crescer, quando ela simplesmente não vai crescer do jeito que você quer. Viajar pelo tempo e pelo espaço não tinha mais como dar certo, não era pra ele, e ele resolveu desistir. Abriria uma maldita janela, e pela janela gritaria para o tempo-espaço dizendo que desistira, estava entregando os pontos, e imploraria para voltar à vidinha que tinha antes. O mago realmente não entendia nada de janelas.


João morria de medo da morte, e isso era tudo que ele sabia a respeito. Ele também não acreditava em magia, mas pelo sim pelo não, ele sempre achou melhor não se meter com gente muito misteriosa. Ele entendia mesmo era de janela, que era uma coisa mais simples, sem grandes mistérios, e é isso que ele ia fazer ali no bar, abrir uma janela. O mago lhe pedira que fizesse, e ele estava mesmo com vontade de fazer uma janela, assim ele ao menos veria se já era noite, e há quanto tempo estava nesse bar.
E foi o que ele fez, uma janela.


O mago esperava que a janela não mostrasse nada, apenas escuridão, pois o bar não estava em lugar algum em que houvesse algo pra se ver, ele vagava perdido pelas fendas do tempo e do espaço. O que ele não sabia é que a janela não tinha absolutamente nada a ver com isso. A natureza da janela era mostrar o que havia do outro lado da parede, e se não havia nada para se ver, alguma coisa tinha de ser criada para que houvesse algo para ver.


E algo se criou. Não que houvesse muita coisa, tudo que se via através da janela era um deserto. Um deserto vazio. Como se tudo que houvesse de neutro e irrelevante no universo tivesse se juntado para formar aquele lugar. O céu não era azul, mas também não era nublado, não tinha sol, mas também não parecia que iria chover, era apenas um céu, ou alguma coisa que estava acima. A terra não era árida, mas também não era irrigada, verdejante, era terra, dura, como se na hora de construir aquele lugar tivessem comprado o piso mais barato e colocado ali. Também não havia horizonte, a terra e o céu, ou aquilo que está no lugar da terra, e aquilo que está acima, onde deveria estar o céu, não se encontravam, apenas aparentavam algum tipo de gradiente no infinito, onde esperava-se ver a linha do horizonte.


O mago constatou que aquela ainda era parte da vingança do Tempo-espaço.
O tempo-espaço realmente não teria misericórdia do mago, caso ele chegasse a lhe pedir alguma coisa, seu trabalho era tomar conta da estabilidade dos universos. E não poderia arriscar liberando o mago novamente.
Mas ele não teve nada a ver com essa história, a culpa foi do mago, que não entendia nada de janelas, e desprezou sua natureza elementar.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

3. Ainda antes do ínicio - A chegada do construtor.



João trabalha na construção civil. E se tem uma coisa que João não dispensa, é tomar uma cerveja na sexta-feira. Mas como os botequins habituais fecharam, João voltava para casa cheio de rancor, achando que o mundo conspirava contra ele. No caminho, se deparou com um novo bar. O bar tinha uma cara estranha, provavelmente estaria cheio de gente metida e a cerveja seria cara, mas ele entrou assim mesmo. A essa altura ele pagaria qualquer coisa, e aturaria qualquer tipo de pessoa, por uma cerveja. Se ele soubesse o que o esperava dentro do lugar talvez deixasse essa cerveja pra lá.
Entrou, sentou-se a uma mesa qualquer, e ficou pensando numa janela que gostaria de fazer na sua casa, enquanto aguardava o atendimento. Olhando ao redor se deu conta que em uma mesa do canto uma menina parecia jogar damas com um gato branco, e que o barman (um sujeito bem estranho) não parecia fazer a menor questão de atendê-lo. Isso deixaria João realmente irritado, mas o lugar era tão entediante que tirava até a vontade de ficar enfurecido. Voltou então a pensar em sua janela, que era o melhor que ele podia fazer, quem sabe daqui a pouco ele fosse atendido.
Mas não foi, então João percebeu que estava sentado no bar há um bom tempo, o barman continuava no mesmo lugar, possivelmente na mesma posição, a menina já havia se retirado, e ele não conseguia ver o gato. Quando João fazia força para novamente tentar refletir sobre o que estava fazendo, e por que não ia embora dali, o gato branco pulou sobre sua mesa, João encarou por alguns momentos seus olhos estrábicos, e travaram então o primeiro diálogo dessa história com mais de uma fala.

- Olá, boa tarde, como vai? - Falou o gato meio miando meio falando, mas se fazendo entender com muita elegância
- Bem, e você?
- Estou ok - Se limitou a responder, o gato.
- Como assim ok?
- Simplesmente ok, não há nada de errado comigo.
- Que bom, entao, eu acho.
- Acho que sim. Se não for bom, ao menos não é ruim.

A conversa estava um tanto confusa, mas João levou em frente.

- O que é bom. Não ser ruim é bom, nao é?
- Não necessariamente, talvez seja simplesmente normal.Embora, às vezes, o ruim pareça ser o normal.
- De qualquer forma é melhor estar normal do que estar ruim, não?
- Penso que sim. Desde que para mim o ruim não seja o normal, senão seria ruim de qualquer maneira.

Enquanto seu cérebro se dividia entre refletir se já era hora de apenas sorrir concordando e tentar acreditar que estava realmente falando com o gato - sem muito esforço em nenhuma das direções - o gato desceu da mesa e sumiu, não demonstrando muito interesse em saber quem era o sujeito à mesa.




Funcionou. Ainda não estava nas mãos d'O mago controlar o bar para viajar para lugares específicos, mas ele conseguiu deixa-lo no caminho da pessoa de que precisava. Embora ele não tivesse certeza de como fez isso, agora não importava. O homem é um construtor, sem dúvidas, e ele irá construir a janela para O mago. Só precisa ser convencido disso.
Mas por enquanto, ele continua esperando a sua bebida.

domingo, 6 de junho de 2010

2. Antes do ínicio - O gato vesgo e a Hipocrisia.

Muitas boas histórias começam com um gato. Essa é uma delas, talvez não uma das boas, mas uma das que começam com um gato. Um gato vesgo, de pelo branco, patas compridas e esguias, que faziam seu corpo parecer desproporcional.
Apesar da sua aparência levemente esdrúxula, o gato era elegante, gentil, esperto e compenetrado. E nesse momento jogava damas com a Hipocrisia. O mago não lembrava quando diabos Hipocrisia entrou no bar, mas foi com ela que ele percebeu que as coisas estavam fugindo do seu controle, o fato é que assim que chegou, a jovem começou a deixar todos exasperados com suas bravatas, O mago em especial, que já havia pensado em muitas maneiras de se livrar dela, tão conclusivas quanto suas tentativas de viagem no tempo.
Mal haviam começado a jogar, e a jovem já iniciara seu discurso:
- Tem certeza que vai continuar jogando desse jeito? Isso pode não ter volta, e comigo é assim, acabou, acabou, sem revanche, sem melhor de três. Quando eu decidir terminar, não vai lhe sobrar chance.
Enquanto o pobre gato vesgo, só queria jogar damas. Na falta de outra companhia aceitou jogar com a moça, e seguia jogando quieto.Pobre hipocrisia, era tão distraída pelas suas verdades, que as ignorava ao se trair, e ignorava os demais achando que tinha o controle da situação.
Fingir que não via todo seu suposto controle ruir era fácil, difícil era esconder isso dos demais. E a cada passo em falso, a cada truque inútil, ficava mais evidente que a sua consciência, e sua língua, eram cavalos sem rédea, que a pequena Hipocrisia era incapaz de domar.
E o jogo acabou.
O gato passou uma de suas quatro damas por cima da última pedra da menina, que nada disse, mas que no fundo de seus olhos azuis suplicava por mais uma partida, no jogo em que ela mesma negou dar qualquer chance a um adversário derrotado, jogo em que ela, sem perceber, deu cabo de si mesma, a despeito de suas ameaças iniciais, que agora não eram nada além de um fraco espectro de vergonha.
O velho gato guardou o tabuleiro sorrindo até a ponta do bigode, ele não guardará qualquer rancor, e a criatura de singular inteligência que é, talvez até jogue uma nova partida com a menina qualquer dia desses.





domingo, 7 de março de 2010

1. O bar primordial - O começo, o fim, o meio, e um meio de voltar ao começo.

Em um lugar que ninguém lembra realmente onde é, há um bar onde tudo parece acontecer com menos vontade do que seria normal. As pessoas comem, andam e bebem calmamente e até os movéis parecem mais lentos, apesar de imóveis. O rádio toca uma música que ninguém sabe realmente o que é, que não envolve ninguém, mas tampouco os incomoda. Nada parece ser capaz de espantar os presentes, nenhum deles tem vontade de ir embora, muito embora não saibam porque estão ali.
O dono do bar é um velho mago, conhecido por um nome de mago, pronunciado em algum idioma mágico e escrito com letras mágicas, e seria inoportuno tentar chama-lo de outra coisa que não: "O mago".
O mago, há muito tempo, estudava maneiras de viajar pelo tempo e pelo espaço, mas todas as suas tentativas resultaram apenas em falhas espaço-temporais, até que lá pela vigésima vez o Espaço-Tempo resolveu tirar satisfações com ele, que acabou aprisionado em outra dimensão do espaço e do tempo e, sem muito o que fazer por lá, abriu um bar.
Além de abrir o bar, O mago continuou tentando viajar pelo tempo e pelo espaço, mas conseguiu apenas duas coisas:

1 - Fez com que o tempo passasse mais devagar, tornando sua prisão ainda mais tediosa do que já era, se é que havia tal possibilidade.
2 - Conseguiu que o bar inteiro viajasse pelo tempo e pelo espaço, porém em momentos aleatórios, e para uma lugar completamente aleatório, em uma época tão aleatória quanto.

Graças a essas viagens, vez ou outra alguém, de algum lugar do tempo-espaço, aparecia no bar. E de lá não saía, pois para manter a companhia O mago não exitava em utilizar seus poderes, e algum tipo de magia ele tinha de fazer bem.
Infelizmente depois de algum tempo algumas coisas começaram a fugir de seu controle, e ele percebeu que mesmo que quisesse seria incapaz de se livrar de muitos dos habitantes do seu bar, que pareceu criar vida própria conforme chegavam novos hóspedes, e essa vida tinha de escoar para algum lugar, mas isso são outras histórias.