domingo, 6 de junho de 2010

2. Antes do ínicio - O gato vesgo e a Hipocrisia.

Muitas boas histórias começam com um gato. Essa é uma delas, talvez não uma das boas, mas uma das que começam com um gato. Um gato vesgo, de pelo branco, patas compridas e esguias, que faziam seu corpo parecer desproporcional.
Apesar da sua aparência levemente esdrúxula, o gato era elegante, gentil, esperto e compenetrado. E nesse momento jogava damas com a Hipocrisia. O mago não lembrava quando diabos Hipocrisia entrou no bar, mas foi com ela que ele percebeu que as coisas estavam fugindo do seu controle, o fato é que assim que chegou, a jovem começou a deixar todos exasperados com suas bravatas, O mago em especial, que já havia pensado em muitas maneiras de se livrar dela, tão conclusivas quanto suas tentativas de viagem no tempo.
Mal haviam começado a jogar, e a jovem já iniciara seu discurso:
- Tem certeza que vai continuar jogando desse jeito? Isso pode não ter volta, e comigo é assim, acabou, acabou, sem revanche, sem melhor de três. Quando eu decidir terminar, não vai lhe sobrar chance.
Enquanto o pobre gato vesgo, só queria jogar damas. Na falta de outra companhia aceitou jogar com a moça, e seguia jogando quieto.Pobre hipocrisia, era tão distraída pelas suas verdades, que as ignorava ao se trair, e ignorava os demais achando que tinha o controle da situação.
Fingir que não via todo seu suposto controle ruir era fácil, difícil era esconder isso dos demais. E a cada passo em falso, a cada truque inútil, ficava mais evidente que a sua consciência, e sua língua, eram cavalos sem rédea, que a pequena Hipocrisia era incapaz de domar.
E o jogo acabou.
O gato passou uma de suas quatro damas por cima da última pedra da menina, que nada disse, mas que no fundo de seus olhos azuis suplicava por mais uma partida, no jogo em que ela mesma negou dar qualquer chance a um adversário derrotado, jogo em que ela, sem perceber, deu cabo de si mesma, a despeito de suas ameaças iniciais, que agora não eram nada além de um fraco espectro de vergonha.
O velho gato guardou o tabuleiro sorrindo até a ponta do bigode, ele não guardará qualquer rancor, e a criatura de singular inteligência que é, talvez até jogue uma nova partida com a menina qualquer dia desses.





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